OS ENCANTOS DA MANEQUIM DOS BECOS
Ninguém conhece tanto a
cidade como ela conhece. Seus pés calejados transpiram o suor na prontidão de
quem nasceu para luta. Nem a passarela do beco mais oculta resiste ao encanto
do seu desfile. As esquinas imploram o seu toque, a sua ginga desde o primeiro
canto do galo ao amanhecer. E ela, sabe bem o quanto vale, por isso, caminham paulatinamente
com um sorriso maroto nos lábios, “senso motivador”, e a bacia na cabeça, sem
pressa, num passo que não tropeça, chamando outro passo, ate a cidade render-se
a sua lindeza.
O sol, por muitas vezes
impĂ´s-lhe amarguras para derrubar a sua moral, obrigando-a a transpirar a quentura
das esquinas, o sabor do sofrimento perpetrado pela dureza do cimento. Mas nada
consegue vence-la, dizem que nem mesmo os santos derrubam a saĂşde e a coragem
de uma tia guerreira.
Ela reprova de que sĂŁo
poucas as pessoas que Deus concedeu o poder de realizar milagres, rejeita esta
falácia, anunciando em dias sem conta, a alvorada em todos bairros, levando na
sua Kinda, muitos pĂŁes e muitos peixes para todos e em todos os cantos, sejam
eles cidade ou Musseques.
Movida pelo desejo de
ver seus sobrinhos crescidos e com saĂşde, vaguei dias e noites por estas
paragens, procurando a vida em pedaços. Buscando pela nossa vida, sacrifica sua
doce vivĂŞncia, sua juventude, pelo sonho de ver seus filhos sorrirem sempre que
volta em casa. Assim, lĂŞ-se nas entrelinhas que a vida nĂŁo Ă© para os que se
acomodam ou desfalecem as suas Malambas, mas sim, dos que se levantam e vĂŁo
atrás, lutando para moldar o retrato paisagem.
A minha tia merecia ser
homenageada todos os dias. NĂŁo homenageamo-la porque sabemos diante mĂŁo, que as
palavras nĂŁo conseguiriam descrever o valor de cada gesto por elas
protagonizado. Confesso minha pequenez diante desta senhora, nossa tia, nossa
heroĂna de todos os dias.
Aquela que mesmo nĂŁo tendo o que comer nĂŁo
aceita que seus filhos passem fome, nem que para isso tenha que prostituir-se;
Aquela que apanha e foge, Ă© perseguida todos os dias; Aquela que os seus
prĂłprios sobrinhos batem-lhe sem piedade por usarem a farda da chefia; Aquela
que nĂŁo retira o rapaz nas costas, radiografando desde tenra idade a melodia da
cidade ao pequeno que dança no ritmo das andanças; Aquela que cuida da aquele
tio que sĂł bebe e que quando chega a casa bĂŞbado quer fazer confusĂŁo; Aquela
tia, que parece cansada, de pés esbranquiçados, roupa suja e que perfuma a
cidade com a pureza do seu calor.
Todos nĂłs temos uma tia
assim, uma tia que dá sua vida pelos outros, uma tia que outrora muito linda,
mas que agora aparece-nos menos atraente. Uma tia que inspira coragem,
persistência e forças. Suas acções são lições de vida que nenhuma universidade transmite.
Uma tia que caminha diariamente, no sol e na chuva, na sombra e nos becos, com
um rosto tristemente aborrecido, mas que sorri para quem passa, porque tudo
pode melhorar um dia. Uma tia que resiste, anda por essas passarelas esfalfadas
e com muitas lombas, a chamada a (Empresa da Zunga), a nossa tia Zungeira, que
espelha a pulungunza da mãe Angolana. Sempre apressada, com a bacia na cabeça e
o Cadengue nas costa, levando ate a ti produtos diversos, desde o pĂŁo ao livro,
da saĂşde ao conhecimento. Caminhante destas ruas, destas paragens, largos e
olhos, corações e almas.
By: Nlando Tona
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