O SENTIR-ME NOS OUTROS
Numa terra nĂŁo muito
diferente desta, vagando numa era longĂnqua, onde nĂŁo se via, sentia-se, mas
quando se via o sofrimento nos outros, compreendia-se o seu desencanto. Os
ventos do imperialismo e do egoĂsmo humano, sustentado pela petulância de que
uns serem superiores e os outros inferiores, agasalhavam de poeira o sonho de
uma convivĂŞncia baseada na igualdade de direitos, deveres e oportunidades.
Fartos dos distratos e
das desigualdades, os pretos sonhadores vasculharam a terra, cultivando nas
raĂzes da arte a voz Ă muito escondida, pintado com a seiva o grito do
Ipiranga, com o caule as linhas de revolta e com o som dos ventos o cântico do
guerrilheiro, bebendo assim arte do reconhecer, do nacionalismo.
A Bravura e entrega nas
suas marchas marcantes mataram os seus medos, obrigando os mudos gritarem suas
palavras, cegos verem suas razões e os surdos ouvirem suas dores. Poucos desejaram
ficar de fora do grupo daqueles loucos e utópicos, aquela geração da utopia,
como um senhor muito sabidos os classificou.
Eles saĂram as ruas,
gritaram, exigiram e protestaram, mas nĂŁo foram ouvidos. Viram-se obrigados a
adoptar outros meios. Ninguém consegue aprisionar o pensamento. Por isso
mataram e foram mortos, voltaram a matar muito dos deles, mas, muitos de nĂłs
também tiveram que tombar em prol do ideal, escrevendo com sangue, a história
dos que caminham na outra face da morte.
Uns saiam das terras gordas
para juntarem-se a nĂłs, os fininhos, os sem tetos, vizinhos do capim e da
árvore ao lado. Num instante pensei que os sonhos não sobrepunham-se as diferenças,
mas enganei-me, somos humanos demais para isto. Por isso nos matamos, derramo-mos
nosso sangue sem dĂł e nem piedade, nos bufamos como ainda fazemos, nos desacreditamos
como ainda fazemos, deixamos de nos importar com eles que antes chamavam-se nĂłs,
e assim, alongamos o nosso sofrimento por meros caprichos que servem apenas
para friccionar o ego irredutĂvel.
Esquecemos o que significava
o sentido do “ sentirmo-nos nos outros”, restando-nos o desejo de vencer. As
ideias só são claros quando se entra na guerra, depois de lá estar, lembra-se
apenas vencer. E assim fomos guerreando, matando e conquistando, soltos e
aprisionados, ate a conquista do tĂŁo ouro, mas o desejo materializou-se, com um
sabor insĂpido e internamente armado, as diferenças pintadas em ganâncias
germinaram em Ăłdio entre os dos “ex-nĂłs”.
Quando os homens sofrem familiarizam-se e o
sofrimento torna-se diminuto. Mas quando olhamos o sofrimento de uns e virarmo-nos
como se eles fossem apenas os outros e não nós, estamos a espaçar os males que
degolam a nossa casa comum. Há muitos erros, é preciso gritar, denunciar e
exigir um comportamento correcto para quem Ă© de direito
Esses tios que foram morrendo,
uns com glórias e honras, outras, sem uma mesquinha citação no livro dos heróis
e outros ainda que padeceram nas bocas dos abutres e formigas famintas,
apelam-nos que voltemos a nos sentir nos outros.
NĂŁo repitamos os erros
que o livro anotou, olhe-mos para estas páginas para corrigi-las. É preciso escrever
melhor no caderno da nossa história. É preciso olhar para os outros a partir de
nós, e preciso não esquecermo-nos que existem mais semelhanças entre nós que
diferenças, e precisos consideremos o facto de partilharmos quase tudo enquanto
vivemos nesta casa, desde as dores e sorrisos, dos Kwanzas as Palancas, da
Zunga aos Kilambas.
By: Nlando Tona
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